Em seu primeiro ano, DefeZap revela covardia, racismo e autoritarismo de Estado

   Por Guilherme Pimentel Braga* em 22 | 12 | 2016

Criado em maio de 2016, DefeZap já recebeu 140 vídeos que mostram agentes públicos, em sua maioria policiais militares, agredindo cidadãos na região metropolitana do Rio de Janeiro. Organizados conforme os fatos que mostram, os vídeos montaram 69 casos, dos quais 11 resultaram na morte das vítimas. Apesar da maioria das vítimas serem homens, chama a atenção o número de mulheres e menores de idade entre os atingidos pela violência estatal. Em 32 casos há vítimas do sexo feminino e em 25, crianças ou adolescentes (sendo 5 fatais). Também chamam a atenção os 10 casos que atingiram pessoas idosas.

Racismo

Outra característica marcante dos casos documentados pelo DefeZap é o perfil racial das vítimas. Em mais da metade dos casos em que é possível identificar os atingidos, são negros os principais afetados. Quando restringimos a análise aos casos com vítimas fatais, os números são ainda mais alarmantes: das 11 ações letais de Estado, 8 contabilizam a morte de pessoas negras.

O caso mais grave de letalidade estatal com contornos racistas foi a ação de vingança contra a queda do helicóptero na Cidade de Deus. Ainda que as perícias tenham descartado a hipótese da aeronave ter sido alvejada, policiais militares na ânsia de revidar mataram pelo menos 7 jovens na favela justamente no dia da consciência negra (20/11). Os corpos das vítimas foram encontrados por seus familiares, com sinais de execução, no mato próximo à comunidade. Nos dias subsequentes, a Justiça chegou a autorizar a polícia realizar o arrombamento e a devassa generalizada de casas na favela, dando prosseguimento à violência. A situação gerou um aumento do terror contra moradores, que enviaram para DefeZap vídeos e fotos comprovando os abusos. Baseada nesse material, a Defensoria conquistou ordem para a interrupção imediata dos arrombamentos, consagrando a primeira vitória do DefeZap.

Outra situação que possui fortes indícios de racismo ocorreu durante uma repressão policial sem mandado judicial a um acampamento pacífico na favela Skol, Complexo do Alemão, onde famílias exigiam que o governo do Estado cumprisse sua promessa de construir casas populares no local. Durante a ação policial, extremamente violenta, dois jornalistas negros foram detidos pelo major responsável, enquanto outros jornalistas brancos, que faziam a mesma coisa que seus colegas negros, não foram abordados da mesma maneira. Os vídeos do episódio mostram espancamentos, tiros de borracha a esmo, violação de prerrogativa profissional de uma advogada, agressões a jornalistas, destruição e incêndio de bens pessoais de manifestantes, ameaças e outros absurdos. O material foi encaminhado ao Ministério Público e é alvo de processo de investigação e responsabilização.

Também chama atenção um vídeo que mostra seguranças do Metrô expulsando de um vagão, sem motivos aparentes, pessoas negras em estado de extrema pobreza, algumas menores de idade. Segundo testemunhas, elas apenas viajavam em silêncio em uma das composições quando seguranças os abordaram sem nenhuma explicação e simplesmente os expulsaram. O caso foi encaminhado para o Ministério Público, que arquivou sumariamente o material. A equipe DefeZap vem pressionando as autoridades para que sejam abertas investigações sobre o fato, mas o Ministério Público ainda não se manifestou sobre a reabertura do caso.

Estado Democrático de Direito em risco

Além do componente racista, os registros revelam forte desprezo pelas regras democráticas na ação de Estado contra a população. Em pelo menos 11 casos, há imagens claras de repressão a manifestações pacíficas, sem nenhum elemento que comprove proporcionalidade. As imagens documentadas revelam o uso indiscriminado de armas menos letais, nitidamente com fins de dispersão e impedimento do livre exercício do direito fundamental à manifestação pacífica.

Merece destaque a dura repressão a jornalistas. Em pelo menos 6 casos há imagens mostrando detenções ilegais, ameaças e agressões a profissionais de comunicação, trazendo à tona o desrespeito dos agentes públicos pela função social do jornalismo e pelo direito da sociedade à informação.

Há ainda outras situações que revelam autoritarismo nas ações de força do Estado. Advogados em exercício da profissão foram alvos da violência em 2 casos, tendo sido um deles detido sem motivação legal, e uma outra advogada agredida verbalmente e impedida de exercer assistência jurídica a um homem detido e espancado, situação que já foi encaminhada pelo DefeZap ao Ministério Público e hoje é objeto de processo de investigação.

Além disso, em outras 2 situações há artistas de rua sendo detidos. Um dos casos, no metrô, representa um padrão de violação da liberdade de expressão e manifestação cultural já denunciado nas redes sociais. Enquanto os usuários do transporte viajam harmonicamente com artistas que se apresentam nos vagões, seguranças os perseguem e impedem que continuem se apresentando, chegando ao ponto de ameaças, agressões físicas e detenções ilegais. O Metrô Rio, por sua vez, não vê problema no procedimento de seus agentes de segurança e, até o fechamento dessa matéria, não tivemos notícias de medidas do poder público para conter esse tipo de violência.

Outro padrão preocupante que pode ser identificado em alguns registros é a intimidação feita por agentes públicos a cidadãos que filmam abordagens. Em alguns casos, há a tentativa de impedir o cidadão de filmar. Em outras situações, o agente público alega que o cidadão que filma será obrigado a ir para a delegacia como testemunha, o que não procede. De acordo com nosso ordenamento jurídico, uma pessoa só pode ser privada do seu direito de ir e vir se for presa (em flagrante delito ou com mandado judicial), ou se for intimada por escrito, jamais levada arbitrariamente pelo agente público no calor do momento.

Histórico DefeZap e outros números

DefeZap foi lançado no dia 9 de maio de 2016 com um blog sobre violência de Estado, o Boletim DefeZap. Além disso, o projeto conta com um número de WhatsApp (21) 99670-1400 para cidadãos que querem denunciar violência de Estado. Vídeos com esse tipo de situação também podem ser enviados diretamente pelo site www.defezap.org.br.

Até o dia 16 de dezembro deste ano, DefeZap atendeu 924 comunicações, sendo 192 orientações a cidadãos sobre como agir para resguardar um direito e 73 mensagens contendo vídeos de violência de Estado, totalizando 140 vídeos.

Esses vídeos foram organizados em 69 casos, sendo:

  • 7 casos em análise para definição de encaminhamento oficial,

  • 12 casos em pesquisa para coleta de mais informações necessárias para virar uma denúncia oficial,

  • 43 casos em monitoramento, pois foram encaminhados e possuem denúncias em andamento,

  • 7 casos encerrados (entre os quais: os sem solução, os já solucionados e os sem elementos mínimos para se tornar uma denúncia oficial ainda depois de esgotadas as buscas na fase de pesquisa).

  • Dos casos em monitoramento, 29 já possuem respostas oficiais dos órgãos de controle e apuração, 21 já possuem procedimentos de investigação instaurados e apenas 12 possuem protocolos online para acompanhamento. A totalidade dos procedimentos de apuração corre em segredo de Justiça e não é possível acessar o conteúdo dessas investigações enquanto estiverem em andamento.




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